Encruzilhadas racistas (Artigo de Jornal)

No Brasil, muitos identificam o racismo a preconceitos contra afrodescendentes. Contudo, o assunto é mais complexo. Além de envolver estes e outros grupos étnicos como os indígenas, ele também está correlacionado com preconceitos contra pobreza e trabalho manual. Historicamente, o racismo está associado a disputas tribais, religiosas e geográficas.

A divisão entre “civilizados e bárbaros” que encontramos na Grécia antecipa o problema. O assunto fica mais complexo no direito romano, lembra o sociólogo R. Esposito, com a separação entre pessoas (cidadãos romanos), semipessoas (ex-escravos e serviçais livres) e coisas (escravos e bens). A configuração jurídica do racismo foi importante para o sucesso da colonização. A hierarquia escravista – diferenciando proprietários, trabalhadores livres e escravos – expressa bem a influência romana na nossa civilização.

O regime republicano não alterou os fundamentos do racismo colonial, mas estimulou o embranquecimento (pela mestiçagem ou pelo enriquecimento) como saída existencial para os não brancos. O racismo justifica o conservadorismo de pardos que se tornam membros das elites brancas e o desespero dos que ficam prisioneiros da dor do preconceito racial.

As eleições de 2022 no Brasil refletem bem esta situação. Há conflitos latentes entre as classes médias tradicionais – que se auto-identificam como “brancas” – e os demais segmentos que por razões diversas (étnicas, sociais ou geográficas) não são reconhecidos como membros do clube, embora aspirem a ser “novas classes médias”.

As encruzilhadas racistas assumem várias formas híbridas como as de pobres negros que preferem ser brancos evangélicos ao invés de pretos do candomblé. Há igualmente aqueles indivíduos que se voltam contra as favelas e passam a se assumir como autoridades brancas quando entram no serviço público ou na carreira militar.

Por tudo isto, a candidatura de Lula é culturalmente significativa pois sintetiza estas memórias de encruzilhadas racistas. Seu hibridismo como nordestino, negro e pobre constitui uma narrativa democrática atraente.

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