A culpa é uma experiência dolorosa e apenas se resolve pela autorresponsabilidade: aceitando erros e tendo coragem para mudar as próprias atitudes. Acusar terceiros para se livrar da própria culpa aparenta ser o caminho mais fácil. Preconceito e ressentimento ajudam a condenar os outros de modo implacável, gerando a ilusão da inocência. Isto não significa que os outros também não sejam culpados por algo. A questão é que a prática da acusação mútua é um ato coletivo que visa criminalizar todos na tentativa inútil de salvar a própria pele. Evitar relacionamentos, se trancar em casa ou comprar uma arma aparecem como uma inútil atitude de defesa que apenas amplia o mal-estar e produz ansiedades e enfermidades emocionais e morais.
Para as comunidades cristãs o tema é doloroso pois a culpa está associada ao “pecado original”. Se Adão e Eva foram expulsos do paraíso que destino resta a nós, seres decaídos? Nestes casos punir o próximo é o caminho mais curto para tentar reaver a inocência “perdida”. A Inquisição religiosa gerou torturas. A colonização foi um massacre dos povos conquistadores sempre feito em nome de Deus. Hoje, os culpados são os povos desterrados, os socialmente excluídos, os indígenas, as mulheres e os gays. Santo Agostinho (Confissões) entre os séculos III e IV D.C. buscou uma saída para o impasse cristão com relação ao pecado original, sugerindo a experiência pessoal da “iluminação interior”. Ele entendeu que a autorresponsabilidade no desenvolvimento da “alma” era o caminho para a desculpabilização da personalidade.
Na China antiga, cinco séculos A.C., o pensador Confúcio (Analectos), que não conhecia a narrativa cristão do pecado original, desenvolveu outro entendimento da culpa. Esta foi associada ao exercício de limites nos cuidados com o corpo, com a política e com a vida. A autorresponsabilidade acreditava, se aprende cedo, ainda em pequeno: com os pais, com os professores e com o cultivo da verdade. O governante justo seria o que examina sua própria culpa para agir com benevolência. Isto é bem diferente de julgar por antecipação, de condenar por mera presunção e de promover a guerra de todos contra todos.