A crise recente de combustível no Brasil poderia ser resumida nesta pergunta: pode uma empresa como a Petrobrás que tem o monopólio de exploração do “nosso” petróleo definir o preço interno do diesel e da gasolina não a partir dos custos em Real mas a partir do valor especulativo em Dólar no mercado internacional? A resposta é uma contradição na medida em que há o choque de duas contabilidades: uma definida pelos interesses do mercado financeiro e especulativo internacional, a outra, pelos custos gerais de produção e de reprodução da economia e da sociedade nacional.
Esta crise do abastecimento é interessante para ilustrar um debate contemporâneo sobre a natureza da economia. No seu clássico “A grande transformação” (2000), K. Polanyi explica que o desenvolvimento do capitalismo ocidental gerou um fenômeno histórico e cultural particular que ele denomina de “desencastramento” da economia com relação à sociedade. A economia de mercado procura se liberar das regras políticas e morais da sociedade nacional para criar suas próprias regras baseadas no princípio — moralmente questionável — de que todos os indivíduos são essencialmente egoístas e que agem de acordo com seus próprios cálculos e interesses materiais.
Mas esta lógica contraria a maior parte das nossas ações no dia a dia que são regidas por obrigações morais e jurídicas ou por impulsos afetivos e oníricos que não possuem base econômica e utilitária. Enfim, não somos máquinas feitas para consumir, mas seres concebidos para amar. Não é possível administrar uma sociedade complexa como se fosse uma empresa de mercado. Precisamos, sim, administrar nosso poder para sonhar com uma vida melhor. Neste sentido, a velha bandeira do “petróleo é nosso” permanece de grande atualidade por trazer a discussão sobre o controle de atividades estratégicas como as de energia para a discussão sobre o poder nacional e sobre a democracia.