O presidente Lula tem toda razão ao afirmar que a prioridade de seu governo é enfrentar a fome. Para um economista ortodoxo esta prioridade é um absurdo. Lembremos Delfim Neto, ainda na década de 70, quando propunha que a prioridade era fazer o bolo crescer para depois dividir. Este argumento da primazia do interesse econômico sobre o direito de viver é uma falácia visto que a decisão sobre o “crescimento do bolo” é em primeiro lugar de caráter político. Quem decide sobre os critérios de divisão do bolo? Quando assistimos às cenas de indivíduos ianomâmi esquálidos, famintos e privados de seus direitos de viver livremente na floresta amazônica devido à presença destrutiva dos garimpeiros, somos levados a considerar seriamente os sinais de uma tragédia humana e ecológica previamente anunciada. Tem razão Airton Krenak ao afirmar que este “clube de humanidade’ que está aí não é para todos e que, pelo menos desde os inícios da colonização, os indígenas são vistos como sub-humanidade. O problema não se restringe, porém, ao genocídio na Amazônia, que está bem ligado ao governo Bolsonaro. A tragédia anunciada diz respeito também à indiferença moral das elites brasileiras com relação à situação de vida dos mais pobres, reproduzindo conhecido racismo estrutural.
Nas comunidades históricas tradicionais a nutrição coletiva é um tema estratégico relacionado com a preservação satisfatória e solidária das condições materiais e simbólicas dos sistemas de parentesco. Nutrir é ato de cuidar do próprio corpo e daquele do semelhante, mas, também, de zelar pelo destino comum, assegurando as condições de reprodução da comunidade. Mas a ganância de acumulação de riquezas materiais no capitalismo produziu um apego patológico de uma minoria pelo poder. Esta, busca monopolizar e especular sobre os recursos coletivos, naturais e técnicos, produzindo precariedade e destruindo as condições de uma vida digna. Contra esta desumanização intencional, resta a luta pelo resgate da utopia democrática, pelo direito de todos indivíduos humanos de serem reconhecidos como cidadãos planetários.
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