Pra quê dinheiro? (Artigo de Jornal)

Episódio do podcast República de Ideias sobre o artigo.

Na canção de Martinho da Vila, o dinheiro vale menos que a viola. A música, para ele, é garantia de vivência lúdica imperdível, pois sambar até o dia raiar é uma experiência que o dinheiro não paga. A mensagem da música é simples, mas convidativa por deslocar a perspectiva utilitarista e objetivista do dinheiro para outras esferas em que se vivem experiências afetivas e desinteressadas que são oxigênio fundamental para a existência da sociedade. Esta outra perspectiva não se limita ao campo da arte. Ela inspira também os críticos da distopia neoliberal como aqueles do Manifesto Convivialista (2020) que defendem uma re-humanização com valor solidário, plural e ecológico. A nova utopia não recusa a função da riqueza material para o bem-estar, mas a submete a outras potencialidades do humano que valorizem o desenvolvimento de uma sensibilidade afetiva e cognitiva mais complexa e plural.

O dinheiro é essencial para sobrevivência material mas é, sobretudo, um recurso simbólico indispensável para a comunicação do ser humano em sociedades complexas. Ele atiça paixões pela riqueza, pelo luxo e pelo poder, mas, numa outra ótica, é fundamental para se conceber uma sociedade mundial mais livre, igualitária e justa. O dinheiro permite potencializar as capacidades de trocas em pequena, média e larga escala, favorecendo o desenvolvimento de tecnologias e instituições complexas. Pensando no coletivo, o dinheiro pode garantir o reconhecimento e a existência de uma cidadania de direitos ampliada, como base de uma sociedade convivial e democrática. na sua falta ou desaparecimento, ele é fonte de sofrimento, frustração e depressão.

Por isso, o dinheiro lembra a medusa cujo olhar pode fascinar e brilhar ou, no lado contrário, pode destruir e transformar o sonho humano em pedra. Este é o grande dilema gerado pela cultura capitalista. Tomar o dinheiro para guardar e especular? Ou fazer circular o dinheiro para ampliar a minha/nossa segurança ontológica que passa necessariamente pela garantia do bem estar dos indivíduos e grupos à minha volta, sejam próximos ou estranhos?

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