O fim do ciclo do Antropoceno (Artigo de jornal)

As grandes cosmologias antigas representam a vida como ciclos recorrentes. No induismo, estes são personalizados por três trindades divinas formadas por duplas opostas e confluentes que organizam o universo: Brahma-Saravasti, expressando a criação; Vishnu-Lakshimi, a manutenção e Shiva-Parvati, a destruição das aparências. Na cosmovisão taoista a abertura e fechamento do ciclo cósmico também obedece a três movimentos: Zhen-Xun, expansão; Kan-Li, perenização e Gen-Dui, finalização e contemplação do realizado. Na tradição cristão, este ciclo se realiza entre o velho e o novo testamento, entre a Palavra da criação e o Evangelho de São João, sua grande apoteose. Estas representações da vida como ciclos não são apenas invenções místicas. As histórias dos grandes impérios – persa, grego, romano, inglês, norte-americano etc.–, testemunham a verdade dos ciclos de nascimento, vida e morte. Estes são, aliás, os destinos de todos nós, humanos.

A modernização ocidental criou a representação de um tempo linear, progressivo e fundado na ilusão de recursos materiais inesgotáveis. Neste período, denominado de Antropoceno, a intervenção humana sobre o ecossistema se tornou mais intensa, sobretudo a partir da revolução industrial. Este ciclo está se exaurindo por dois motivos:  um deles, o crescimento gigantesco dos processos de exploração e de consumo de mercadorias; o outro, o esgotamento das fontes de matérias-primas do planeta. As disputas ansiosas das castas dominantes por poder e riqueza aceleram o final do ciclo. O Antropoceno foi um evento, explica Chakrabarty (2009), em que presenciamos a transformação de nossa espécie de simples agente biológico em uma força geológica colossal que põe em risco a sustentabilidade planetária. Se refletimos serenamente sobre os fenômenos recentes das queimadas na Amazônia ou o vazamento de petróleo nas praias do Nordeste, no Brasil, entendermos o curso dos eventos. A superação do ciclo do Antropoceno implica em se conceber uma nova relação entre o Humano e a Natureza, transfigurando a experiência para liberar uma utopia mais complexa: amorosa, sustentável, convivial e justa.

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