Guerras neotribais na era digital (Artigo de Jornal)

M. Maffesoli (1988) sugeriu o termo neotribalismo para explicar a emergência de grupos urbanos moleculares que, para ele, constituiriam manifestações libertárias contra a cultura da massificação nas grandes cidades. Z. Bauman (1998), no entanto, viu o tema com outros olhos. Para ele, o neotribalismo revela a nova desordem do mundo gerada pelo neoliberalismo, pecando por não conseguir encontrar uma moeda política comum em favor da democracia ampliada. O neotribalismo se funda nas diversificações identitárias ligadas a categorias de classe, etnia, gênero, cultura, profissão, sexualidade e raça e também nos pertencimentos afetivos produzidos pelas “causas comuns”. Ele ambiciona, por discursos variados, a autenticidade cultural e histórica.

O debate ganha importância com os espaços digitais que passam a multiplicar as presenças paradoxais de neotribalistas: tanto estimulando a cultura do consumismo como, no lado contrário, promovendo narrativas inconformistas que se pretendem libertárias. As guerras neotribais deslocam as fronteiras das ideologias de esquerda e de direita dominantes no século XX, contribuindo para o surgimento de variados e mesmo contraditórios movimentos reivindicatórios. O neotribalismo revela as incertezas existenciais que emergem através de diversos modos de socialização expandidos por redes presenciais e virtuais, valorizando a liberdade como performance étnica, estética, religiosa e política. Ele fortalece um certo familismo coletivista sem conseguir superar o particularismo cultural, pois o excesso de transparência narcísica ameaça eliminar o potencial das subjetividades rebeldes.

A emergência na era digital de diversos e inéditos territórios de desejos desloca antigas memórias geográficas, sociais e culturais, estimulando estes novos grupos étnicos a se moverem por impulsos de contestação nutridos por medos, paixões e esperanças. As guerras tribais podem ser a base de um original renascimento da democracia, mas, também, o motivo de práticas fragmentárias e antidemocráticas. Talvez de suas cinzas venha a surgir um novo tipo de cosmopolitismo.

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