A arte de viver sem o futuro (Artigo de jornal)

O futuro sempre foi uma bolha de ilusões. Ele gera expectativas que não têm garantias factíveis. Ele é cria do presente, fruto das projeções de nossos desejos, crenças e frustrações. O debate é antigo. O filósofo Sêneca (2006), contemporâneo de Jesus, afirmava que “A expectativa é o maior impedimento para viver: leva-nos para o amanhã e faz com que se perca o presente”. A bolha do futuro não surgiu por acaso, revelando as narrativas de materialização do sagrado pelo protestantismo histórico e de novos diálogos entre filosofia e ciência empírica, no Ocidente. A obsessão com o futuro se acelerou com os tempos modernos. Ela foi reforçada com as conquistas coloniais e com o desenvolvimento do capitalismo. A filosofia da história prometeu um mundo humano progressivamente melhor e que seria articulado pelo desenvolvimento racional da economia moderna. O futuro como realidade previsível seria garantido pelo desenvolvimento e acumulação dos bens materiais e de consumo.

A bolha do futuro começou a se desintegrar com a segunda guerra mundial. A desconstrução do progresso técnico como uma narrativa ética emancipatória foi efetivada por Adorno, Horkheimer entre outros críticos, antecipando os sinais de desencanto da História ocidental. Pouco a pouco, a modernidade foi perdendo sua aura libertária e o sonho do futuro foi encolhendo. O capitalismo deixou de se apresentar como um programa de desenvolvimento irreversível para virar uma estratégia mercadológica meramente especulativa, aquela do neoliberalismo. O progresso histórico se tornou uma distopia, achatando o imaginário do futuro no tempo sombrio do presente. O achatamento do tempo no presente abissal se revela intensamente pela diminuição de perspectivas de boa vida e pela ampliação de patologias morais e psíquicas. Felizmente, há reações em curso. Há novos argumentos morais nos horizontes do presente, como o Movimento Convivialista internacional, que propõe novas solidariedades entre homens e natureza, lidando com a produção de múltiplas territorialidades entre o presencial e o virtual no mundo real. 

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