O Povo (Ceará) 13/01/2024
Os avanços da democracia em sociedades semiperiféricas como a brasileira dependem do sucesso de pactos de governabilidade envolvendo diferentes interesses. As memórias demonstram que os avanços ocorreram onde foi possível se montar arcos de solidariedades capazes de garantir políticas sociais e públicas inovadoras apesar das resistências conservadoras. Isto implicou em conciliar interesses privados e demandas públicas. As experiências democráticas recentes aclaram que as lutas pela distribuição econômica – que caracterizavam o Estado do bem estar social -, foram insuficientes para resolver a crescente desigualdade. Isto ajuda a explicar o deslocamento das atenções para a crítica cultural, valorizando demandas identitárias e lutas coletivas relacionadas com direitos à diversidade. Mas neste deslocamento o tema da “injustiça redistributiva” permaneceu politicamente negligenciado.
A crítica decolonial latino-americana que associa os temas de raça e classe – já tratamos nesta coluna no texto “Decolonialidade e lutas antirracistas” –, vem buscando responder a este esforço de compreensão dos dilemas dos movimentos sociais. Mas esta crítica somente pode ser viabilizada em favor das práticas democráticas se entendermos como se distribui o poder entre a política, a economia e a cultura. Isto nos foi sugerido pelo diálogo ocorrido entre Honneth e Fraser no livro Redistribuição ou reconhecimento? (2003). Temos aqui uma reflexão relevante para se entender a justiça como vetor normativo na promoção da democracia igualitária e diversa. Para Honneth, a redistribuição econômica seria uma variável secundária do reconhecimento; para Frazer, ambas seriam partes de uma perspectiva bidimensional. No caso brasileiro, tendo a simpatizar com a proposta da Fraser visto que a politica estatal continua a ser central para se promover “direitos à vida”, seja quando falamos de comida (redistribuição) seja quando falamos de identidade (reconhecimento). Aqui, as lutas identitárias precisam passar necessariamente pelo tema da distribuição de riquezas. Logo, os movimentos sindicalistas, associativos, étnico-raciais e ambientais precisam se dar as mãos em favor do pacto democrático ampliado.
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