A gaiola de ouro do liberalismo (Artigo de jornal)

O Povo 21/10/2023

O lema “Liberté, égalité et fraternité” da revolução francesa inspira até hoje a utopia do liberalismo político que é base doutrinária da democracia representativa que conhecemos.  O Estado-nação ocidental é uma fórmula sistêmica genial criada para regular as contradições entre capitalismo e democracia. No final do século XX, o globalismo acenou com a perspectiva sedutora de romper com a soberania do Estado-nação para emancipar um sistema de poder transnacional e igualitarista. Mera ilusão. O que observamos foi o enfraquecimento dos dispositivos regulatórios dos Estados nacionais para favorecimento do neoliberalismo como modelo cultural oligárquico e predatório. O Estado-nação é uma gaiola de ouro. Ele garante a liberdade de manifestação dos indivíduos ao mesmo tempo em que cria regras de controle territorial que viabilizam sua reprodução como aparato de poder. A gaiola dourada do liberalismo acena para o sonho da liberdade de uma vida para o prazer e o consumo material, enquanto suprime os impulsos solidários voltados para utopias políticas emancipatórias.  O poeta republicanista Olavo Bilac faz uma reflexão no seu “O pássaro cativo” que reflete esta liberdade sob condições de todos nós: “Dá-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada; Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo: Porque é que, tendo tudo, há de ficar passarinho mudo, arrepiado e triste, sem cantar?” O Estado-nação liberal é a gaiola que acolhe as lutas políticas pela liberdade enquanto amordaça o desejo de viver nas regras de uma cidadania jurídica regulamentada. Gostemos ou não, o contexto mundial demonstra que os movimentos democráticos são experiências históricas frágeis que ainda dependem muito dos modelos liberais de Estado-nação. Sem ele, os direitos de cidadania ficam ameaçados pelas forças reacionárias e autoritárias. Logo, as possibilidades de um Estado plurinacional de caráter republicano e organizado para acolher uma participação ampliada, diversa e voltada para o bem comum constitui o melhor cenário político alternativo nos tempos distópicos em que vivemos.

Deixe um comentário

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑